sábado, 31 de maio de 2008

Na saúde e na doença.


Segurava a presilha de cabelo fervorosamente. Estava enlouquecendo de raiva. Envergava a presilha para um lado:"Tic!" Envergava para o outro:"Tac!"E continuava repetindo os movimentos, a torcendo freneticamente:"Tic! Tac! Tic! Tac..."
O barulho impertinente se misturava e se confundia com o mesmo barulho do relógio, esse, já no ritmo mais acelerado dos segundos.
Aquilo irritaria qualquer um que já estivesse aflito, mas a ela já não afetava mais. Sua atenção não estava mais em coisas ao redor, estava longe, focalizada em seus sentimentos rancorosos:
-Maldito! Maldito! Maldito!
Ficaria ali até o amanhecer, degustando o amargo gosto do ódio, repetindo para si mesma os mesmos xingamentos, rangendo os dentes e entortando a presilha. Quase todos seus dias eram assim, remoia suas eternas decepções maquinalmente, desde as adquirida ao longo de seu casamento frustrado até aquelas que já nem sabia mais do que se tratavam.
Despertou do transe num ímpeto, ao ouvir os passos trôpegos na varanda.
-Maldito!
Como uma onça em ataque, deu rápidas e ferozes passadas até a porta e a puxou abrindo-a bruscamente, quase arrebentou o trinco como fizera nas outras noites.
O pobre homem foi puxado para dentro e espatifou-se escancaradamente sobre o chão. Murmurou algumas palavras arrastadas de dor e esforçou-se para levantar-se. Estava totalmente bêbado. Quando finalmente esteve em pé, desequilibrou-se e ameaçou a cair novamente, antes que pudesse a mulher agarrou-o pela gola da blusa e arrastou furiosamente pela casa.
-Seu nojento! Seu fraco! Seu... Seu MALDITO!!
-Maldita é você! Me laargaa sua vaca malucaa!
Gritavam os dois no meio da madrugada. O homem debateu-se no chão e a mulher já não pode mais agüentar o peso do marido. Largou-o. Mole e descoordenado agarrou-se nos móveis para estar de pé novamente. Quis mostrar comando e levantou a mão, na intenção de batê-la, tentou, mas não conseguiu, seus movimentos eram lentos e pesados, enquanto a mulher mexia-se como uma fera.
- Ridículo! Mal consegue abrir os olhos seu idiota! Eu é que mereço te bater! Por todos esses anos horríveis que tem feito me passar! Amaldiçoou minha vida seu desgraçado!
-Você que amaldiçoou a minha, parasita!
-Maldito!!
Gritou avançando para cima. Socou-o com as duas mãos, tomada pelo desprezo e pela raiva. Os dois rolaram e se machucaram pelo chão da cozinha, e quando ambos estavam esgotados e moídos, a mulher alcançou a faca em cima da pia, mas não teve forças o suficiente para cravá-la contra o peito do marido. Então, caiu sobre ele, desmaiando com a faca de açougue na mão. E os dois permaneceram ali, dormindo juntos. Unidos pelo matrimônio, na saúde e na doença...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Chapéu de palha


Um chapéu de palha jogado na beira da praia. O homem agachou-se para apanhá-lo. Estava bem cuidado, mas aparentava ser velho. Um tanto feminino, mas não se importou de vesti-lo; por pouco a onda não o levara, ainda estava seco, embora meio sujo de areia. Deduziu ter sido arrancado da cabeça de alguma mulher que andava pelas proximidades, a custa da força do vento. Estava um dia escuro, nublado, frio e com fortes rajadas de ventos, de longe era o único caminhando pela praia. A moça, dona do chapéu de palha devia estar andando por ali à pouco tempo. Era loura. Achou preso entre os fiapos soltos, dois fios de cabelos louros. Teve a idéia louca de procurá-la, talvez a achasse a poucos metros dali. Assim devolveria o chapéu perdido, poderia ser importante para ela. Foi pensamento de instantes, logo o achou idiota. Não poderia sair perguntando para todas as moças louras que encontrasse se reconheciam o chapéu.

Ou poderia...

Quem sabe, quando a visse, mesmo que ela estivesse ao longe, de costas, com um longo vestido branco( como a imaginava), a reconheceria e pensaria: é ela. Então ainda no mesmo dia, apaixonados se casariam, porque sentiria que era a mulher de sua vida, e ele o homem da vida dela. E ela seria maravilhosamente linda.
Aquela certeza descabida fez com que retomasse as esperanças e começasse a correr com a intenção de alcançá-la, seja a onde estivesse. Deu uns vintes passos largos e desesperados ao encontro da mulher de sua vida, com quem teria seus mais lindos filhos, uns dez passos tortos e receosos de sua decisão, e mais cinco passos finais, certos de que não a encontraria. Parou. Desistiu. Esteve um longo momento estacionado com pose de fracasso, julgando a si mesmo ridículo. Tirou o chapéu de palha da cabeça e jogou-o ao vento, juntamente com todo seu romantismo. Mudou a direção e voltou a caminhar, desta vez em direção a cidade. Já estava tarde e precisava a voltar trabalhar.
Minutos depois uma moça de longos cabelos louros achou seu amado chapéu caído sobre a areia. Abaixou-se e recolheu-o junto ao peito aliviado. O ganhara há anos e lhe era muito importante. Pensou que alguém o devia ter apanhado a alguns metros antes, caminhado com ele e em seguida jogado ele ali, a julgar pela distancia em que foi o achar. Ainda teve tempo de avistar a silhueta de um homem indo em direção à cidade e depois sumir-se no cinza dos prédios. Talvez fosse aquele homem estranho quem o tivesse achado. Ou talvez, fosse apenas obra do vento.
Vestiu-o e voltou, refazendo o caminho percorrido na busca do chapéu. Seus cabelos louros esvoaçavam-se, seu longo vestido branco também.
Sim, era inegavelmente linda.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O gaúcho e o pinguço

O velho gaúcho, sentado sobre uma pedra, segurando com uma das mãos a bomba de chimarrão e com a outra a cuia, tinha consigo um antigo olhar sem vida que se fixava vazio no movimento da rua durante horas a fio.
Como de costume, chegava o pinguço e sentava ao seu lado, ás vezes mais cedo, ás vezes mais tarde, mas nunca faltava. Vinha direto da rua, onde era seu lar, numa eterna ressaca, com a pinga numa mão e a outra apalpando os muros para não ir de encontro ao chão.
Sentava no meio fio, ao lado de seu amigo de calçada e após alguns segundos de silêncio iniciava a incansável falação.
O velho gaúcho nem ligava, até gostava. Passava o dia sentado ali, em silêncio, ouvindo apenas os escassos barulhos da rua pouco freqüentada. Mas quando chegava o pinguço , ele até sentia mais próximo a presença de vida, por mais decadente que ela fosse, pois ele tossia, escarrava, cuspia, fedia e até chorava quando relembrava sua juventude perdida. Sem dizer nada, o velho gaúcho murmurava uma falsa indiferença e quando estava mais disposto até concordava com a cabeça.
Era quase uma valsa, dançada por dois aprendizes tristes e acomodados.
Iam assim até o escurecer, entre um gole de pinga e uma bombeada de chimarrão, os dois valsando num ritmo incomum e desordenado, cada um com seu jeito.
Ao fim do dia, o velho gaúcho se levantava e com um aceno discreto se despedia, dando as costas para o seu amigo pinguço. Não que desejasse ir embora, por ele, ficaria sentado ali fora o tempo que a vida lhe permitisse ficar. Mas o medo de nunca mais voltar a ver o único amigo lhe obrigava a sair antes, pois o vendo sentado ali enquanto ia embora, dava lhe a impressão de que no dia seguinte ele estaria esperando-o no mesmo lugar.
Suas vidas eram assim, tinham o mesmo prazer incomum, o de se encontrarem, talvez o único que lhes restava, com exceção da pinga e do chimarrão. Esperavam a noite toda o novo dia que ainda não chegava, um em casa e o outro na rua.
Ambos afundados na mesma solidão.

Mecanismo do progresso


Estamos tão rodeados e constantemente iludidos por supostas evoluções em nossas vidas e cotidiano, que mal conseguimos ver o que realmente acontece a um palmo de nossos olhos.
Tudo o que se cria acaba sendo transformado. Encapado. Rotulado. Comercializado.
Até a rebeldia que á um tempo atrás era símbolo de mudança e luta por um valor maior, acabou sendo aderido pelo sistema capitalista e sofreu todas as transformações conseqüentes. Hoje, pode-se ver até nas lojas, um ideal de rebeldia totalmente alienado, puramente oportunista. Tolo e bestial.
Vê-se supostos rebeldes em todo canto! Estampados em CDs, filmes, álbuns, programas de TV... Aos poucos vamos nos adaptando a essas alienações e em pouco tempo mal percebemos a diferença. O que realmente aconteceu?
É incrível como esse sistema consegue englobar tudo, até os movimentos que eram contra a ele, e adaptá-los ao seu modo... Até a crise ambiental que era uma denúncia a toda essa exploração tornou-se hoje uma forma de mercadoria! Não é difícil encontrar pelas ruas alguma coisa à venda que tem como objetivo “ajudar a salvar o planeta”.
Hoje um motivo. Amanhã uma luta. Depois de amanhã o regresso.
Tudo funciona maquinalmente e fluidamente, sem dar-nos ao menos a oportunidade da reflexão, pois em seguida já surgem novas formas de entretenimento que nos amortecem.
Nossos verdadeiros ideais são arrancados, vulgarmente rotulados e vendidos como um produto qualquer. Na vitrine achamos belos e compramos, implantado em nossas cabeças novamente, dessa vez, amorfos e vazios. Acreditamos piamente que aquilo é necessária para nossa sobrevivência, mais, para nossa felicidade e depositamos tudo ali, nossas personalidades e esperanças.
Sou obrigada a reconhecer que é um sistema realmente impecável, mas infelizmente funciona em prol do indivíduo e não da raça humana.
Conseguimos criar um sistema que devora tudo e a todos. Que funciona por si próprio, ridiculariza o homem e mata o mundo. E tudo, pelo lucro.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Tecnologia extrapolada

Outro dia li uma reportagem: Andróide paranóico, o seu próximo amigo.
Deixou-me estupefata, não pelo nível do conteúdo ( nenhum senso crítico), mas sim pelo assunto em questão. Segundo ela, uma Universidade de Londres está com um projeto financiado pela União Européia de 28 milhões de reais que pretende estar totalmente em operação até 2012. O projeto pretende desenvolver os primeiros robôs com personalidade.
Já vi em filmes como Matrix e Eu Robô, onde os Andróides ganhavam personalidade com o avanço da ciência e futuramente se rebelavam contra os humanos, o que espero que não aconteça, pois pelo jeito que as coisas andam, chegará mais rápido do que o previsto, o dia em que as pessoas dispensarão a companhia humana para ficar com seu “amigo” robô.
Diversas vezes durante a reportagem o crânio do projeto declara que o objetivo é “dar uma aparência mais humana” para a tecnologia inanimada e fazer com que as pessoas sintam-se mais “a vontade” e “com a impressão de ser alguém (alguém?) com quem você possa ter um relacionamento”. Que ótimo! As relações humanas já andam cada vez mais difíceis, agora querem dispensá-la de vez!
Há quem pense que é exagero meu, tratar do assunto tão rispidamente. Mas por favor! Um pouco de crítica faz bem! Afinal, se fossemos aceitar assim, sem questionar todas as idéias absurdas interferindo em nossas vidas, já nem imagino que seria de nós...
Que assunto se pode tratar com um robô? Com certeza nenhum que tenha o mínimo de filosofia ou profundidade. E santo Deus! O questionamento, a reflexão e a filosofia fazem parte da alma humana desde que nos conhecemos por seres humanos! Se não fosse isso, estaríamos estacionados à muito tempo atrás, vivendo somente de necessidades básicas, como verdadeiros macacos!
Já é difícil encontrar alguém com quem se possa ter uma conversa que realmente valha a pena, imagine quando as pessoas estiverem acomodadas a meramente rir ou chorar ( no seu conceito mais superficial ) com um monte de metal, circuitos e micro chips...
E se nos voltarmos ao ponto de vista catastrófico, a medida que forem conseguindo atribuir a eles uma “personalidade” extrovertida ou coisa do gênero, logicamente não vão querer parar por ai, pois se a intenção é satisfazer os futuros clientes, há quem prefira uma companhia realmente paranóica ( temos de tudo nesse mundo). Então, em que ponto chegaremos se começarem a construir robôs com “caráter desviado” para os clientes malucos ou apenas apara provar que eles podem construir qualquer coisa mesmo ( repito, temos de tudo nesse mundo)? Estaríamos caminhando - por mais fictícia que pareça - à verdadeiras rebeliões robóticas...
Mas enfim, isso são detalhes ou exageros de uma cabeça fantasiosa... Que venham nossos novos amigos paranóicos!

Uma rápida introdução :)

É minha primeira vez num Blog, até agora estava limitada a somento orkut, mas aquilo já me enjoou então resolvi tentar outra coisa...
Não tenho nenhum leitor na espectativa, então vou postar aqui alguns textos meu para o nada.
Pelo o que fucei, não tem como adicionar as pessoas então estou aos ventos... Mas se por acaso alguém cair aqui na minha página, espero que leia o que vou postar, ou se não, postarei mesmo assim, nem que seja só para mim... hahaha
Agradeço a atenção ( mesmo que ninguém esteja lendo hehe)
:)